Em Cuba, existe um lugar onde os nossos sentidos encontram uma expressão especial do belo, e os nossos passos uma verdadeira jóia encantada, Trinidad.
Uma cidade que é um verdadeiro museu aberto, que mantem a sua História intacta, testemunhada por uma incomparável atmosfera colonial e por edifícios que nos transportam até aos séculos XVII e XIX, formando um imponente e impressionante centro histórico de grande valor. Assim como a sua cultura, alicerçada por uma forma muito própria de sentir e de viver a Vida.
Uma cidade tão fascinante que, qualquer passo que seja dado, nos faz recear despertá-la desse seu encanto.
Texto e fotos Fernando Borges
Se existe um país que não deixa ninguém indiferente, esse país chama-se Cuba. Poderemos começar pela sua cultura musical, que abraçam África, Europa e América do Sul, desenhando na perfeição e como em nenhum outro país o que se chama de ritmos caribenhos, nas suas mais diversas vertentes.
Mas há ainda a Cuba das selvas tropicais, praias paradisíacas, recifes de coral deslumbrantes, e um povo amigável, cativador, criativo e envolvente, vestindo-se naturalmente de alegria e musicalidade. Mas este é também um país que tem na sua história, passada e mais actual, bem como na sua cultura, uma atracção suplementar.
Na realidade, desde Havana a Pinãr del Rio, de Santiago a Topes de Collantes, de Santa Clara a Manaca Iznaga, de Matanzas a Cayo Largo, de Cienfuegos à Aldeia Taina em Ciénaga Zapata, ou das praias de Varedero à Sierra Maestra, toda a Cuba é um verdadeiro luxo para os sentidos, onde cada recanto se transforma numa recordação de puro fascínio, eterna.
Mas este é um país que também oferece a quem o visita lugares que dão a sensação de terem sido criados para ficarem prisioneiro do tempo, intocados. E há outros que parece terem nascido para namorar os nossos olhos, maravilhar qualquer olhar. E quando estas duas sensações se juntam, acontece fascínio. Diria mesmo, paixão.
E é esta explosão de encanto que nos abraça quando chegamos a Trinidad, uma cidade na deslumbrante e cativante ilha de Cuba, uma cidade que nos dá a conhecer e a descobrir mil e um recantos, encravados entre o mar e as montanhas.
Uma cidade, declarada Património da Humanidade em 1988 pela UNESCO, que ao longo dos séculos soube preservar o seu património, mantendo-o inalterável desde que no século XVI foi criada a aldeia de Trinidad, constituindo uma das mais deslumbrantes jóias da arquitectura colonial, não só de Cuba, mas de todas as Américas.
Trinidad que orgulhosamente tem o título de Cidade Museu de Cuba, uma gema rara que chegou até nós através dos séculos para nos deslumbrar, intocada no luxo de tempos passados. Tempos que não conseguiram esconder ou deixar que se perdesse aquele que é, possivelmente, o mais completo e genuíno testemunho da arquitectura colonial no continente americano, apesar de séculos e séculos de exposição à força da luz e ao “desgaste” dos olhares de quem ali chega para a admirar.
Trinidad dos tradicionais edifícios coloniais do século XVIII e XIX, das impressionantes igrejas barrocas, dos inúmeros palácios sumptuosos e monumentos históricos, das ruas em paralelepípedos, das escadas íngremes, fantasiosas fachadas e varandas, onde espreitam olhares que se perdem no tempo, das complexas ferrarias de portas e janelas rasgadas até ao chão, que guardam sonhos e realidades de outros tempos e de agora, e que convidam a um espreitar.
E há ainda os portões moldados por ferrarias decorativas que nos transportam ao interior de delicados e frescos pátios, de onde nos chegam tranquilos passos e deliciosas notas musicais saídas de saxofones, de uma viola ou de um gira-discos, onde acontecem conversas que aqui encontram o refúgio das escaldantes horas que rodeiam o meio-dia.
E cada um desses pátios por onde se estendem as sombras invioláveis das paredes desses edifícios, pequenos palacetes ou villas, é igualmente um museu por direito próprio, e não apenas por uma descendência do passado.
Portas e janelas que se abrem a ruas onde, pelo final da tarde, quando o ar se refresca de uma leve brisa que sopra do mar, não muito longe, crianças alegremente brincam e se reatam conversas matinais, as mesmas ruas por onde passam músicos carregando o seu violoncelo, projectando as suas sombras e sonhos nas paredes tenuemente coloridas, em tons de amarelo, verde e azul, de edifícios que parecem contar velhas histórias, compartilhando com os turistas que se perdem de encantos a cada passo dado.
Ruas, como a Martínez Villen, que acabam por nos levar à bela e florida Plaza Mayor, um lugar perfeito para esperar pelos últimos raios de sol, que há 500 anos serviu como praça de armas para as tropas de Hernán Cortés, durante a preparação da “Campanha do México”, que continua a ser o lugar preferido para trocar palavras e votos de amor eterno, e que também foi testemunha de muitos negócios feitos entre os senhores do açucar.
Um testemunho vivo do período colonial em Cuba, marcado pela Igreja da Santíssima Trindade, que guarda peças únicas da arte sacra, como o Cristo de la Vera Cruz, pelo que resta da igreja de São Francisco de Assis, e pelo Museu Romântico, localizado no antigo Palácio Conde Brunet, de onde se avista todo o Vale de São Luis, ou Vale dos Engenhos, onde 75 ruínas de velhos moinhos, casas de verão, quartéis e outras instalações contam histórias ligadas à cana de açucar.
Mas é também do Palácio Conde Brunet, entre amplas escadarias, tectos altos, pisos forrados com mármore europeu, cristais da Boémia, cerâmica de Talavera e extensas pinturas murais, e após subir algumas centenas de degraus em espiral, que se tem uma vista de todo o casario que compõe Trinidad. Dos telhados vermelhos que projectam as suas sombras sobre ruas estreitas que se estendem graciosamente entre janelas, portões e varandas, algumas das quais percorridas por velhos Cadillac’s, Ford’s, Pontiac’s e Chevrolet’s, numa outra viagem nostálgica no tempo, mas esta a um tempo mais recente, aos anos 50 e 60 do ano 1900.
Ruas que, quando a noite cai, se enchem de namorados, turistas e “trovadores” carregando as suas violas em direcção de restaurantes, esplanadas e bares onde o rum e os mojitos acompanham ritmos afro-cubanos e temas populares, confirmando que Cuba é, na realidade, um virtuoso berço de musicalidade e alegria.
E basta seguir esses “trovadores” até à Taberna Canchánchara, onde se prepara e se serve a sua bebida típica, a canchánchara, que leva aguardente, mel e limão, que dizem suavizara garganta e levantar o ânimo, ou até à Casa da Trova, onde circulam mojitos e cubas-livres, espontaneidade e espírito livre, entre rumbas, boleros, guajiras, guarachas, mambos, rumbas….
E quando o dia volta a nascer, à nossa espera está sempre um convite para se partir ao encontro daquilo a que as gentes de Trinidad chamam de “Espírito de Trinidad”, ou seja, o que está para lá da alma e do corpo da cidade.
Para isso, na velhinha estação de comboios, está sempre uma composição de carruagens marcadas pelo tempo que os levam, num passeio turístico, através do Vale dos Engenhos, também classificado como Património da Humanidade, onde se consegue ainda descobrir, rodeadas por uma paisagem natural exuberante, velhas mas preservadas fazendas de plantação de cana-de-açúcar, verdadeiros museus e testemunhos vivos não só de uma era marcada por um ritmo tirano de trabalho, mas também de um passado glorioso.
E é nesta atmosfera que o velhinho comboio chega a Manaca-Iznaga, onde se ergue uma torre com mais de 40 metros, verdadeira sentinela de tudo o que se passava no vale, encimada por um sino que marcava a vida e o ritmo de trabalho nas plantações.
Do seu topo, e após subir 184 degraus, somos transportados para um cenário impressionante, não só sobre o Vale dos Engenhos, mas também sobre a cordilheira do Escambray, que protege os parques naturais de Topes de Collantes e do Potrerillo.
Outro lugar onde se pode ir a partir de Trinidad, e igualmente luxuriante, é o Parque Nacional Cienaga de Zapata, o maior e mais bem conservado de toda a Cuba e Caraíbas, declarada Reserva da Biosfera em 2000, na vizinha província de Matanzas, um parque atravessado pelos rios Hatiguanico e Hanabana.
Um panorama natural riquíssimo, que serve de habitat a uma flora caracterizada pelo seu alto nível de endemismo, reunindo mais de um milhar de plantas diferentes, entre elas mais de 130 espécies endémicas de Cuba, e uma fauna excepcional, com destaque para o crocodilo cubano, um lugar cheio de magia que termina, após percorrermos o delta onde se encontram o Hatiguanico e Hanabana, uma viagem entre canais e ilhotas cobertas de mangais que nos leva a Aldeia Taína na Lagoa do Tesouro.
Uma aldeia que constitui um atractivo acrescido a esta naturalmente fascinante região, um lugar que representa a vida numa aldeia dos índios taínos, que aqui, neste parte de Cuba, desenvolveram comunidades a partir da pesca, caça e agricultura, oferecendo aos visitantes encenações que recordam mitos e lendas deste povo, incluindo um casamento entre visitantes segundo os seus rituais.
Mas poucos cenários naturais em Cuba exibem tanta beleza natural como Pinar del Rio, acolhendo duas das seis Reservas da Mundiais da Biosfera da ilha.
Mas se o encanto da sua flora e fauna são o seu atractivo fundamental, levando o seu nome para lá das fronteiras continentais, este é também um lugar mundialmente famoso pelo seu tabaco, pelo que é obrigatório visitar a Casa de Veguero para se aprender todo o processo que leva à produção daquele que é considerado o melhor “puro” do mundo.
Como também é obrigatório percorrer o Vale de Viñales, declarado Paisagem Cultural da Humanidade pela UNESCO, onde nos espera o complexo turístico Las Terrazas, Soroa, com o seu jardim de orquídeas e quedas de água, a partir do qual se pode navegar pelo rio Negro e pela Laguna Grande.
Um cenário majestoso onde se encontram ainda as ruínas do que foram plantações francesas de café no século XIX, os 45 quilómetros que formam as Cavernas de Santo Tomás, a Cueva do Índio, um complexo circuito subterrâneo feito pelo rio São Vicente, bem no interior da montanha, que pode ser percorrido a pé e de balsa, ou ainda o Mural da Pré-História, que retrata a evolução humana na ilha.
Mas ainda existe, para tornar ainda mais enriquecedora esta viagem, a Finca de São Vicente, um espaço para fazer caminhadas, observação da sua flora e fauna endémica, deixamo-nos encantar pela sua paisagem, as expedições por Jibacoa em velhos camiões soviéticos que fizeram a guerra no Afeganistão…
Sem esquecer as opções de se conhecer as ricas tradições campestres desta região de Cuba, e as praias da Península de Ancón, localizadas apenas a 18 quilómetros de Trinidad, com os seus recifes que fazem as delícias dos mergulhadores, como o de Cayo Blanco.
Também a partir de Trinidad, ou ao seu encontro, torna-se obrigatório deixarmo-nos perder por Matanzas, onde também somos invadidos pela sensação de que o tempo parou, com as suas ruas e edifícios a tecer histórias e lendas, chegando-nos numa forma cadenciada reminiscências de outras eras, principalmente quando visitamos lugares como a Plaza Vigia, o Parque da liberdade, o Museu Farmacêutico ou o Hotel Velasco, Matanzas que é também conhecida como a capital do desporto nacional de Cuba, o baseball.
Imagens de uma Cuba autêntica, uma Cuba que corresponde fielmente à imagem de um país tropical e caribenho, de praias, sol e palmeiras, mas também de cidades e lugares que parecem perder-se na intemporalidade do tempo, cidades que são verdadeiros museus erguidas para encantar quem as visita, e que tem em Trinidad a sua mais bela pérola, o destino certo e a prioridade num roteiro por Cuba.