O ar invade-se do dolente canto da morna dançando na suavidade do vento quente que sopra de África, num embalo com sabor tropical. Um canto que fala de “morabeza”, esse tão genuíno sentimento cabo-verdiano que pode ser traduzido em amor, beleza e amabilidade, que na realidade resume numa só palavra a forma como somos recebidos na ilha caboverdiana da Boavista.
Ilha de gente amável e humilde que, para além da arte de bem receber, alicerçada numa simpatia contagiante enfeitada de uma forma natural com um sorriso nos lábios e sensualidade no olhar e nos gestos, orgulha-se da sua terra.
Terra também conhecida por “Ilha das dunas”, de praias que nunca mais têm fim, de desertos e testemunhos vulcânicos, de pequenos vilarejos onde o tempo passa sem pressa entre conversas à soleira de uma porta, ou no banco de uma praça sob a sombra de uma acácia.
Assim é Boavista, a terceira maior ilha de um arquipélago a quem já chamaram de “As Caraíbas de África”, Cabo Verde, “dez grãozinhos de terra que Deus colocou no meio do mar”, como canta a morna.
Texto e fotos Fernando Borges
Para muitos, luxo não é apenas ter ou poder ter isto ou aquilo. Para esses muitos, a que se juntam cada vez mais outros muitos, luxo é igualmente, e principalmente, sermos donos do tempo, termos a felicidade e possibilidade de “beber” outras culturas, de descobrir outros lugares, principalmente aqueles onde sentimos fazer parte integrante de uma sociedade, de um povo.
E poucos são os lugares onde tudo isto nos é colocado nas mãos de uma forma tão simples, inesperada, genuína e tão cheia de sentimentos como em Cabo Verde. É a tal morabeza…!
E foi este o sentimento que encontrei e que trouxe de São Vicente, e da sua capital, o Mindelo, quando ali estive há uns bons anos, essa morabeza, essa forma de bem receber transformada em arte e cultivada com fervor por um povo feito de gent b’nit.
E eram essas imagens passadas que me percorriam os meus pensamentos enquanto atravessava o Atlântico naquele que era o voo inaugural da TAP para a ilha da Boavista, perguntando-me se essa morabeza me esperava igualmente nesta ilha.
Pergunta que continuava a existir enquanto sobrevoava, cada vez mais baixo, esse Atlântico que separa Cabo Verde de África, e enquanto, uns minutos mais tarde, a um ritmo tranquilo, começaram a chegar imagens de uma paisagem que ora se assemelhava a um cenário lunar, ora a um deserto com alguns oásis que se estendia até ao mar, originando um contraste policromático entre o castanho e o azul.
Mas, rapidamente, e já em terra, enquanto um vento quente nos beijava a pele, essa pergunta teve a resposta quando, ao perguntar a Elsa Vieira, uma jovem jornalista cabo-verdiana, como era viver na Boavista, tive como resposta um “quê pó di marra coedjo”, uma frase que soava a uma doce melodia e que significava “é muito curtido”.
Uma outra forma de dizer “bem-vindos a este pedaço de África em pleno Atlântico,” que nos abraça de uma forma especial, singular, contagiante e natural, tão natural como o ar quente que teima em estar sempre presente, envolvendo-nos enquanto percorremos os poucos quilómetros que separam o aeroporto do hotel, permitindo um primeiro olhar sobre o tom ocre amarelo que nos rodeia, recordando-nos que não estamos muito longe dos desertos do norte de África.
Também aqui com algumas “ilhas” verdes, de onde emergem algumas palmeiras, tamareiras e acácias, um caminho que foi sendo percorrido, sem pressas, dando tempo para saborear a paisagem, entre acordes de mornas e coladeras.
E foi assim que chegámos ao Iberostar, um resort de cinco estrelas, mas que também nos fazia recordar essa outra África, a magrebina.
Da recepção, chegavam não só os sons das mornas, mas também as vozes de franceses, alemães e alguns portugueses e espanhóis, vozes que nos fizeram virar o olhar em direcção do exterior, de uma piscina repleta de gente à sua volta, estendida sob o sol da tarde, uma piscina que terminava numa infinity-pool que parecia perder-se para lá do mar azul-turquesa e do céu igualmente azul, mas apenas azul.
Um chamariz para dar os primeiros passos na sua direcção, que rapidamente seriam desviados para a esplanada-varanda de um dos bares, onde refrescantes bebidas nos apelavam a momentos de relax e de… contemplação.
Sim, a partir desse terraço-varanda o cenário era magistral, com as cores desse mar a desse céu a fazer sobressair os quilómetros de uma linha de areia branca e fina da praia que se estendia a nossos pés.
Era o início perfeito na descoberta de uma ilha que cada vez mais aposta no turismo
Estava ali a praia, o mar, as mornas, a cerveja, a simpatia das suas gentes, o calor e, claro, esse tempo sem horas…
Mas era necessário partir, deixar esse cenário fascinante, essa doce vida de deixar o tempo “comer” as horas, de sair à descoberta daquela diversidade de paisagens que tínhamos visto do ar, e ao encontro dos seus diversos elementos culturais, numa miscigenação marcada por influencias africanas, lusas, brasileiras e jamaicanas, originando o tão cabo-verdiano “No Stress”.
Sempre numa pick-up, parte-se em direcção de “algures”, quase sempre percorrendo trilhos de terra batida que facilmente deixam adivinhar que ali à frente existe um lugar especial, quase num estado virgem, intacto.
E assim se atravessa Rabil, um vilarejo onde ainda funciona a única olaria em actividade na Boavista, a Floresta Clotilde, para de seguida nos atrevermos nas dunas do Deserto Viana, um deserto que se prolonga até à beira-mar, aqui e ali pontuado por pequenos oásis de palmeiras solitária, num cenário encantador, reforçando o título que muitas vezes se dá a esta ilha, o de “Ilha das Dunas”. Um verdadeiro mar de areia que estende as suas ondas até ao azul profundo do Atlântico, tornando qualquer resistência a um mergulho um exercício desnecessário.
Mas há ainda que percorrer todo o promontório e mil praias que separam esse Atlântico do Monte Estância, do Chã de Ervatão, que para Tibo Évora, um jovem cantor e compositor cabo-verdiano que sempre nos acompanhou, enchendo o ar de belas mornas e coladeras, é um dos mais belos cenários da ilha, para terminar em mais uma “praia impossivelmente bonita”.
Mas chegar a este paraíso, é necessário atravessar um oceano de pedra e pó, um caminho que se estende ao Morro Vermelho, do Chã dos Prazeres e Curral Velho, detendo-se apenas perante a imagem fantástica que é proporcionada pelos 18 quilómetros de areias brancas da praia de Santa Mónica, e pelas falésias e grutas da Praia da Varandinha.
Um lugar especial que atrai praticantes de desportos náuticos, como o surf, windsurf e mergulho, uma actividade muito procurada devido ao anel de corais que envolve a Boavista, servindo de habitat natural a muitas espécies da fauna marinha, também uma porta de entrada, para quem vem pelo sul, na Reserva Natural Morro de Areia.
Para trás, vão ficando muitos quilómetros de dunas e de terreno árido, uma paisagem que bem poderia ser lunar, um verdadeiro descanso para a alma e para o olhar, e a Povoação Velha, a primeira vila fundada pelos portugueses na ilha, onde dizem ser o berço da morna, essa música que por vezes parece trinar alguns acordes de fado e do brasileiro chorinho.
Mas há que seguir para norte. E não é de estranhar que o primeiro contacto visual aconteça com mais uma praia, a de Chaves, bem perto da Vila de Rabil, praia muito conhecida pela sua fábrica de cerâmica, entretanto abandonada, pelas ruínas parcialmente cobertas pela areia, em que apenas a chaminé em tijoleira permanece à superfície, como testemunho de um passado mais glorioso. Mas também conhecida por ser a praia que se avista do Iberostar e de outros hotéis que escolheram esta costa e as as suas praias para se instalarem.
Ainda mais para norte, chega-se à Baía da Teodora, ao farol da Ponta do Sol, às praias da Atalanta, de Bracone ou de Sobrado, à costa e ao Parque Natural Boa Esperança, a mesma costa onde se encontra uma das imagens mais utilizadas nos postais ilustrados, os destroços do cargueiro espanhol Cabo de Santa Maria, e também um dos lugares escolhidos pelas tartarugas marinhas Caretta Caretta para desovar.
Descobertas e encontros que terminam obrigatoriamente em Sal Rei, uma vila que, apesar de ter perdido muto do seu esplendor, continua a encantar pela vida que ali acontece.
Uma vila onde o tempo se esquece das horas, da bonita e simples igreja de Santa Isabel, dos ainda existentes exemplares de antigas casas coloniais, de moradias baixas e coloridas, das ruas de terra e das sombras das acácias, onde se joga o uril, um jogo tradicional de cabo Verde, e de onde por vezes chega o som de um pilão a moer o milho para a cachupa.
Também do antigo edifício da alfândega, bem em frente para o mar e para a praia de Diante, talvez o lugar mais frequentado da vila, de onde pela madrugada partem pescadores nos seus coloridos barcos, por onde caminham vendedoras de frutas e legumes, onde jovens contagiam de alegria quem ali está, com os seus jogos, corridas, mergulhos e saltos acrobáticos para a água, e onde ao inicio da tarde regressam esses mesmos pescadores com a faina matinal.
O mesmo lugar que é ponto de partida para um passeio em catamarã pelas águas e costas da ilha, e onde se inicia a rua que vai dar à praça principal da cidade, com as suas duas esplanadas a oferecerem um certo ar cosmopolita.
Aqui cruzam-se corpos, trocam-se gestos, acaricia-se com beijos, marcam-se encontros namoradeiros, sauda-se com a tradicional poncha ou grogue, refresca-se com uma cerveja, e volta-se a escutar melodiosas mornas.
Mas há que regressar ao Iberostar Club Boa Vista, um resort 5 estrelas com sistema de Tudo Incluído, onde é oferecida uma gastronomia pensada para os paladares mais exigentes, cercado por um ambiente propício a uma férias relaxantes, quer em família, a dois ou com um grupo de amigos, e que tem, na sua localização, bem sobre as areias brancas da praia de Chaves, um dos seus maiores e incomparáveis atractivos.
Também aqui, acontecem as mornas e as coladeras, confirmando que esta é uma terra que embala os sentidos, que atrai quando não se está lá, que encanta quando lá chegamos, e que deixa saudades quando partimos.
É “sodad d’morabeza”!