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Gavin Thurston – “Acho que um dos maiores problemas do planeta é a ganância”

Gavin Thurston – “Acho que um dos maiores problemas do planeta é a ganância”

Com uma carreira que abrange mais de três décadas, Gavin Thurston é amplamente reconhecido como um dos principais diretores de fotografia em documentários de vida selvagem. A sua extraordinária capacidade de capturar momentos únicos no mundo natural levou-o a trabalhar em algumas das produções mais reputadas e premiadas da televisão. O seu talento e dedicação ao partilhar a beleza e a complexidade do nosso planeta não só cativam vastas audiências, como também inspiram um profundo respeito pelo meio ambiente. Autor de Journeys in the Wild: The Secret Life of a Cameraman, um livro que oferece aos leitores uma visão íntima das suas aventuras, desafios e reflexões sobre o papel dos documentários na consciencialização ambiental, Gavin Thurston é um exemplo de paixão, resiliência e excelência técnica.

 

Gostaria de começar pelo início da sua carreira na fotografia de vida selvagem. Sei que há uma fotografia de uma orca que marcou o começo de tudo, certo?

Sim, foi numa visita de estudo.

 

Que idade tinha?

Cerca de 10 anos, penso eu. A minha querida tia Mary emprestou-me uma “box brownie”, uma máquina fotográfica muito antiquada, de filme. Eram muito comuns na altura. Trata-se de uma câmara muito simples, literalmente em forma de caixa, com uma lente à frente e um visor. Empregava rolos de 12 fotografias. E foi assim que comecei. Passei um dia agradável no Jardim Zoológico de Dudley e, quando cheguei a casa estava muito entusiasmado. Disse à minha mãe que tinha visto elefantes, girafas e que tinha feito algumas fotos. Também disse que a coisa mais impressionante fora uma baleia gigante que estava numa piscina e que tinha saltado para fora da água para tocar com o nariz numa bola que o tratador estava a segurar por cima da piscina. Claro que hoje sabemos que não se deve manter orcas em cativeiro, mas naqueles tempos era muito comum. De qualquer modo, levámos as fotos para revelar e, cerca de uma semana depois, fomos buscá-las. A primeira foto penso que era do meu lugar ou da porta da frente. Depois havia uma foto de um elefante ao longe e de uma girafa. E depois, umas quatro ou cinco fotos depois, lá estava a orca, quase completamente fora de água a tocar com o nariz numa bola. Mostrei à minha mãe e disse: “Aqui está! Eu disse-te que havia esta baleia gigante que saltou da água!” Foi há 52 anos e acho que foi o começo. Só mais tarde, quando escrevi o meu livro, é que percebi que foi provavelmente um momento decisivo no que diz respeito à minha ligação à vida selvagem e à fotografia. É incrível que, 52 anos depois ainda possa mostrar essa mesma foto. Na verdade, posso partilhar esse momento de um segundo, de há 52 anos. Na altura não me apercebi, mas agora vejo o quão poderosa pode ser uma fotografia. Acho que foi isso que plantou a semente para a minha carreira, ligando tanto a vida selvagem como as suas imagens e que agora são partilhadas em todo o mundo.

 

E agora, 52 anos depois, já viajou por mais de 80 países. Quais são as principais lições ou conclusões desta enorme aventura que pode partilhar connosco?

Suponho que uma das coisas mais incríveis – e talvez seja óbvio quando o digo – é que este planeta tem uma variedade extraordinária. Desde os picos nevados das montanhas e o seu ar rarefeito até as profundezas do oceano e a escuridão, temos florestas tropicais exuberantes, temos desertos de areia maravilhosos, temos rios vastos, rios velozes, águas brancas, temos todos esses diferentes habitats e, dentro desses habitats, temos tantas criaturas e plantas que evoluíram ao longo de milénios e que estão adaptadas a viver em todos esses lugares. Acho que essa é a primeira lição, há uma variedade incrível.

Acho que outra coisa que me faz refletir sobre tudo isso, olhando para trás para a minha carreira e para todas essas viagens: a bondade das pessoas. Eu sei que agora, quando vemos as notícias, é absolutamente deprimente. Vemos sempre os piores elementos das notícias. Sabemos de guerras, de invasões, de genocídios e de presidentes errados a ser eleitos, entre outras coisas, mas, no fim, a maioria da população humana é bondosa e, onde quer que nos encontremos no planeta, se pedirmos ajuda, 99,9 vezes em 100 estará alguém lá para nos ajudar. E, infelizmente, é apenas essa minoria muito, muito pequena que faz com que o mundo pareça um lugar terrível.

 

Depois de todos esses anos de viagens e de visita a tantos lugares, consegue eleger o país mais impressionante que visitou?

Há um termo que surgiu nos últimos 10, 15 anos, que é “bucket list” (lista de desejos). E uma das perguntas que me fazem é “O que tens na tua lista de desejos?” “Onde queres ir?” “O que não viste ainda?” E uma coisa que aprendi é, na verdade, a aproveitar o momento onde estamos. Não devemos viver sempre a desejar estar noutro lugar, nem pensar sempre que outro lugar é melhor. Para mim, neste momento, e respondendo a essa pergunta, o lugar mais impressionante do mundo é a minha casa, o meu lar, o meu jardim, onde estou agora, e acho que muitos de nós vivemos sempre a desejar estar noutro lugar. Penso que deveríamos aprender a viver mais no momento, onde estamos e com quem estamos. Isso é o mais importante porque, quem sabe, podemos desejar ir ao Quénia ou a África ou a outro lugar, mas se formos atropelados por um autocarro, não vamos consegui-lo e, portanto, devemos é aproveitar o momento, aproveitar o lugar onde estamos. É bom ter ambição, querer viajar para outros lugares, mas a chave é, onde quer que estejamos sabermos aproveitar o momento.

 

Acho que podemos dizer que o Gavin uma espécie de defensor do ambiente. Como é que tudo começou e quais são as suas expectativas?

Acho que há muitos elementos que contribuíram para esta questão. Uma das mudanças significativas sucedeu quando tive filhos. Até termos filhos, acho que, de forma geral, pensamos de um modo egoísta, pensamos na nossa própria preservação e nas nossas vontades e necessidades, mas uma vez que temos filhos, acho que surge um impulso inato de querermos protegê-los e proteger o seu ambiente, o que inclui o planeta em que vivemos. Portanto, acho que isso muda a nossa mentalidade sobre o que é importante na vida, e não se trata apenas de nós. Na verdade, acho que isso nos torna inerentemente muito menos egoístas. Ter filhos foi um ponto de viragem. Felizmente, os meus já viram elefantes e girafas, mas há muitas outras coisas no planeta que adoraria que pudessem ver. Gostaria que pudessem ver baleias cinzentas ou baleias azuis ou… Não sei… Há tantas coisas diferentes e, no entanto, como sabemos, há muitas pessoas no planeta. Temos um grande impacto no planeta no que diz respeito ao que consumimos, como consumimos e como viajamos. E sabemo-lo, sem dúvida. Repare nas recentes inundações em Espanha, em Valência.

Sabemos que as mudanças climáticas e o aquecimento global são reais. Não podemos negá-lo. Quero dizer, a menos que sejamos um idiota como aquele “presidente laranja”, não podemos estar em negação acerca disso. Mesmo que o admitamos, se depois não fizermos nada, na verdade estaremos a ser muito egoístas. Se não o fizermos pelos nossos filhos, devemos fazê-lo pelos nossos pais ou pelos nossos vizinhos ou pelos filhos dos nossos amigos. Acho que devemos olhar com mais cuidado para o nosso impacto no planeta e tentar reduzi-lo e à pegada que deixamos no planeta em que vivemos.

 

Numa entrevista em 2021, o Gavin afirmou que esperava que a humanidade mudasse as suas ações em relação ao planeta, mas agora, poucos anos depois, tantas coisas pioraram e ocorreram ainda mais catástrofes. O que pensa agora? Tem a mesma ideia? Ainda tem esperança?

Sim, definitivamente, tenho esperança. Com certeza. No meu círculo de amigos, família e entre as pessoas com quem trabalho há um movimento muito maior para tentar reduzir o nosso impacto no planeta, mas também para tentar corrigir alguns danos que causámos. Integro uma organização chamada Borneo Nature Foundation, que está a fazer grandes progressos no sentido de tentar resolver o impacto que tivemos historicamente no planeta, através do plantio de árvores, da construção de represas e recuperando o lençol freático em Kalimantan, que foi arrasado no final dos anos 1990, início de 2000, pelo desastroso Mega Rice Project, e que basicamente corresponde à área com a maior densidade de orangotangos em todo o planeta. Grande parte dessa área foi desmatada ou explorada, e o que a Borneo Nature Foundation está a fazer é replantar as árvores, a monitorizar e a combater os incêndios florestais, a educar e a capacitar as gentes locais para o conhecimento do motivo e de como proteger as condições que ali encontramos. Não vai acontecer da noite para o dia, mas é preciso começar por alguma cisa. Ao plantarmos árvores agora, daqui a 30, 40, 50 anos, espera-se que o habitat esteja recuperado, ou que pelo menos comece a ficar recuperado. Este é apenas o exemplo de uma das milhares de organizações que estão a promover mudanças positivas em todo o mundo.

 

Acha que temos esse tempo? Acredita que o planeta tem esse tempo?

Não estou nada preocupado com o planeta. Este planeta permanecerá por milhões e milhões de anos.

 

Sim, mas talvez não com pessoas…

O que me preocupa é o equilíbrio da natureza no planeta. É engraçado; penso que alguém disse uma vez: se todos os insetos no planeta desaparecessem, os seres humanos não sobreviveriam. Desapareceriam em poucos anos. Mas se desaparecerem todos os seres humanos do planeta, todos os insetos e todos os outros animais hão-de prosperar…

 

Portanto, nós somos o problema.

Exatamente, nós somos o problema, e eu digo que ainda tenho esperança. Acho que há muitas pessoas que mudaram. Já ouviu falar do Extinction Rebellion? É uma organização relativamente nova. Não concordo particularmente com alguns dos seus métodos de protesto, mas se virmos o número de seguidores que eles têm e o número de pessoas em todo o mundo que fazem parte dessa organização e que querem mudança ficamos surpreendidos. Repare-se nas pessoas que saem à rua a marchar pelo clima, vejamos os números! Tenho tantos amigos que se tornaram vegetarianos… Sou vegan há quase quatro anos… Não vejo isso como um sacrifício. Inicialmente vi porque sentia falta da carne e especialmente do queijo, mas encontrei alternativas. Não sinto que me esteja a privar de nada. Continuo a desfrutar de toda a comida que como. Comer continua a ser um dos meus maiores prazeres. Portanto, é uma escolha de estilo de vida, mas a razão pela qual tomei essa decisão é porque estou a tentar reduzir o meu impacto no planeta, e uma das formas mais simples de fazer isso é cortar com a carne e os produtos lácteos. Há também o ponto de vista ético e moral. A minha mãe também se tornou vegan, tem 85 anos, e isto é ótimo! A maior parte das pessoas que conheço realmente acredita que os animais contam. Compreendem a importância da biodiversidade no sentido de manter o equilíbrio deste planeta. Conheço muitas e muitas pessoas que estão a alterar os seus hábitos de vida. Passaram a caminhar ou ir de bicicleta para o trabalho, em vez de conduzir. Toda a questão do trabalho remoto, que foi praticamente acelerada pela covid. Antes, sentíamos que tínhamos de ir ao escritório, mas na verdade, devido ao covid, percebemos que podemos trabalhar a partir de casa. Agora pensemos na redução da pegada de carbono das pessoas que já não têm de se deslocar todos os dias para o escritório. Acho que há muitas pessoas a fazer mudanças deliberadas para tentar reduzir o seu impacto.

 

No seu livro, fala de histórias desafiantes e extraordinárias que viveu com o reino animal. E quanto às pessoas? No início desta entrevista, referiu que as pessoas são gentis em todo o mundo. Foi isso que mais o impressionou nas suas viagens?

É uma das coisas mais surpreendentes, e acho que é assim porque somos muito bombardeados com notícias. Antigamente era através dos jornais, da televisão e da rádio, mas agora é o Twitter, o Instagram e todas aquelas outras fontes de notícias online… Mas, claro, alguém ser bondoso não é propriamente uma notícia. Ocasionalmente pode aparecer alguém a ajudar outra pessoa a atravessar a rua, ou algo do género. Mas o que é notícia? Alguém a ser apunhalado, baleado, assassinado ou roubado? Sabe, são essas as coisas sensacionalistas que, na verdade, fazem as notícias funcionar e, infelizmente, são essas coisas que dominaram os nossos canais de notícias.

Acho que a bondade foi uma das coisas que mais me surpreendeu porque foi isso o que nos transmitiram. Alimentam-nos com a ideia de que as pessoas são horríveis e que temos de fechar a porta à noite e de trancar o carro porque ele há-de ser roubado ou invadido, ou que vamos ser assaltados na rua, mas penso que essa é uma minoria da população humana. É uma percentagem tão pequena e, na essência, a maior parte das pessoas é gentil, generosa e prestável.

 

No Castelo de Highclere, foi entrevistado pela Condessa Carnarvon, descendente do Lorde que financiou a descoberta do túmulo de Tutankamon, no Egito. Já esteve no Egipto?

Sim, já estive. Trabalhei no Egipto. Estive lá algumas vezes. A primeira vez que lá fui, estava a trabalhar numa série chamada Super Sense, há cerca de 35 anos, e passámos muito tempo a filmar entre os templos. Apreciámos os hieróglifos e as histórias que nos chegaram dos egípcios. Eles adoravam o falcão e adoravam o escaravelho, e por isso estávamos a contar as histórias reais do falcão e do escaravelho. Eles acreditavam que todas as manhãs o escaravelho tomava conta do sol. Quando o sol surgia no horizonte, acreditavam que o estava a ser trazido pelo céu durante o dia por um escaravelho cósmico, e que no final do dia, o escaravelho enterrava o sol debaixo da terra. Acreditavam que no dia seguinte, o sol surgiria novamente empurrado por ele.

 

Que ideia maravilhosa, não é?

Sim, a questão é que, se não temos biologia e não temos televisões ou distrações, provavelmente, quando alguém se põe a juntar as peças, vê os escaravelhos a rebolar e a enterrar o estrume.  Depois vê o nascer do sol. Todas as manhãs pensavam eles que isso acontecia graças a um escaravelho cósmico. E depois, à noite, olhavam para as estrelas e todas as formas nas estrelas. Eu sei que hoje em dia se fala mais sobre os signos do zodíaco, como Gémeos, Carneiro, Touro, etc. E se olharmos para o céu, ainda podemos ver como é que essa imaginação juntaria todas essas peças e criaria estes animais. Está tudo ligado ao mundo natural. O que é interessante é que no Egipto tudo está representado nos hieróglifos, de há três, quatro ou cinco mil anos. Aquele povo estava ligado à natureza e conseguia ver analisar comportamentos interpretando-os de um modo diferente. Havia civilização, havia estrutura, edifícios e tudo foi construído a um nível muito mais elevado do que qualquer coisa que vejamos hoje em dia.

 

É um entusiasta de arquitetura, não é?

Absolutamente. Acho que é incrível. Quero dizer, tanto a arquitetura animal como a humana. Basta olharmos para os mais intricados ninhos de aves, ou para os montes de térmitas; há tantas estruturas no mundo natural que são fantásticas. Mas também olhamos para os humanos e vemos algumas das mais belas arquiteturas. Diria que, possivelmente, uma das melhores coisas que tiveram origem na religião terá sido a arquitetura. Alguns dos edifícios mais bonitos são igrejas e catedrais. Eu não defendo necessariamente o que acontece lá dentro, para além talvez do canto. Outra coisa magnífica que herdámos da religião foi a maravilhosa música, mas em termos arquitectónicos, algumas das mais impressionantes construções são as catedrais e as igrejas.

 

Está atualmente envolvido em algum projeto? Quais são os seus próximos planos?

Há um projeto sobre o qual posso falar porque já foi anunciado. Chama-se Underdogs. Está a ser feito para a National Geographic e vai ser narrado por Ryan Reynolds, de Deadpool Game. Parece que tudo o que Ryan Reynolds faz se torna um sucesso. Espero que o mesmo suceda com esta série. Basicamente, Underdogs analisa todos os animais que normalmente não aparecem nas grandes telas porque não são “sexy” ou bonitos, ou o que quer que seja. Tratam-se, talvez, de algumas das histórias mais interessantes que normalmente são negligenciadas. Vai sair em dez episódios e será lançado em 2025.

 

Consegue eleger uma experiência como a mais impactante na tua vida profissional? Não é uma pergunta fácil… Eu sei…

Há muitas e muitas experiências. Estou a tentar lembrar-me de uma. Aqui vai um exemplo. Não é necessariamente a melhor experiência, mas é a que me vem à cabeça neste momento. Um dos meus lugares favoritos no planeta é o Parque Nacional Katmai, no Alasca. É bastante remoto. Fica mesmo no extremo ocidental da América do Norte, no canto superior esquerdo, e há uma área em particular chamada Hallo Bay e North Hallo Bay, onde passei bastante tempo. E o que é realmente bom é que encontramos ali animais grandes e carismáticos – ursos pardos costeiros, que são enormes, lobos, alces, alces, castores, lontras, raposas, águias de cabeça branca… todos eles são incríveis. E o que é realmente bom é que todas as filmagens são realizadas a pé. Não levamos armas connosco. Somos basicamente nós e o nosso instinto.

 

Bastante perigoso, não?
Não, se fosse perigoso, eu não o faria. Acho que muitas pessoas dizem isso. Acho que a maneira como pensamos sobre os animais foi um pouco distorcida pela televisão e pelos filmes no passado. Se olharmos para o King Kong e o Godzilla, eles estão sempre a lutar e a destruir cidades. Se pensarmos no Tarzan, ele estava sempre a ter de lutar com um crocodilo ou uma cobra ou algo do género. É novamente como com as notícias, sempre em busca das histórias mais sensacionalistas.

A imagem que temos dos ursos pardos costeiros e dos lobos é a de que eles são perigosos, e potencialmente até o são. Mas se nos comportarmos do modo correcto quando estamos na sua presença e não os intimidarmos, se não os antagonizarmos, não os ameaçarmos ou não nos metermos entre eles e os filhotes, eles não hão-de arrancar para nos virem matar a todos. Eles sabem o que gostam de comer. Gostam de coelhos, de salmão e de todas as outras coisas. Não cresceram a caçar seres humanos. Uma vez estávamos a filmar a pé e acho que foi uma das primeiras vezes que vi lobos. Tínhamos estado a filmar ursos durante semanas e semanas sem ter acontecido nenhum acidente. E eles andaram bem perto de nós, literalmente a dois metros de distância. Trata-se de um animal que pode pesar setecentos quilos, mas eles limitam-se a seguir seu caminho. Se ficarmos parados, como se fossemos uma rocha ou parte da paisagem, eles aproximam-se até o ponto que em que se sentem confortáveis e depois continuam sua caça ao longo do rio.

Portanto, um dia estávamos a filmar e olhámos para a praia e – só para contextualizar –, estávamos numa área onde não há caça, portanto os animais não têm medo das pessoas. Em qualquer lugar com caça, se eles veem humanos fogem porque ao longo de gerações foi isso que aprenderam a fazer graças à sua à noção de autopreservação. Aqui não há caça e por isso comportam-se de um modo muito mais natural em relação aos humanos. Estávamos a olhar para a praia e vimos alguns animais a mover-se. Ao espreitarmos pela lente e pelos binóculos, vimos que era uma alcateia de quatro lobos. Pensei que era mesmo emocionante e, então, agarrei na máquina.
Estávamos ali três, virámos todos as máquinas e começámos a filmar os lobos a descer pela praia. Vinham a trote, com aquela passada incrível que já todos vimos nos filmes. À medida que se aproximavam, conseguiam obviamente ver-nos ou cheirar-nos e aproximaram-se ainda mais, até cerca de 200 metros de distância.

Dois dos lobos afastaram-se para o lado, entrando na vegetação, enquanto os outros dois continuaram a aproximar-se. É um comportamento típico de caça; espalham-se naturalmente para cobrir mais terreno e caçar as presas. Esta sua separação decorreu muito naturalmente, quase como se houvesse uma comunicação silenciosa entre si. Portanto, estes dois lobos aproximaram-se ainda mais até que o segundo também se afastou para a vegetação. E, então, o único lobo que estava à vista continuou a trotar, a trotar, a trotar. Já estava a cerca de 50 metros e eu ali a fazer fotografias realmente fantásticas dele a vir diretamente na minha direção enquanto permanecia agachado no chão.

O tripé estava a cerca de 70 centímetros de altura, talvez um metro, se contarmos com a lente. O lobo continuava a aproximar-se, continuava a vir… Ao chegar a cerca de dez metros de distância desacelerou começando a caminhar. Eu ainda estava lá. Olhava-me curioso, mas não com um ar ameaçador. Não estava a rosnar, não estava a observar-nos com intuitos predatórios; estava apenas a pensar “que diabos são vocês?”. Abrandou e aproximou-se ainda mais, mas não parou. Continuou a aproximar-se e eu fui ajustando o foco. A certa altura a lente deixou de focar porque o foco mínimo era de três metros, por vezes até mais próximo. Ele continuou a vir e, então, enfiou simplesmente o nariz na lente, como se estivesse a dizer “o que é isso?”. Depois retirou a cabeça da lente e, sim, ele era grande; a sua cabeça estava a uma altura superior à minha, mesmo estando eu agachado, e olhou para mim. Falei com ele, que deverá ter pensado, “bem, tu não és comida” e simplesmente começou a trotar, afastando-se. Então, os outros três lobos surgiram da vegetação, observando-nos, juntaram-se os quatro e partiram. Basicamente, não era um lobo perigoso. Sabemos que pensamos nos lobos como perigosos, mas este não estava ali para matar-me. Provavelmente conhecia aquela praia, deve ter caminhado por ela centenas de vezes ao longo da vida. Viu algo novo e foi verificar o que era. Não se tratava de algo que pudesse comer, não era algo que o ameaçasse, cheirou e seguiu o seu caminho. Medimos a distância entre o meu pé e a pegada mais próxima dele, e era cerca de 40 centímetros…

 

O que sentiu?
Fiquei entusiasmado, devo admitir. Estava ligeiramente nervoso, mas não me senti ameaçado. Estava alerta, prestei atenção e observei o seu comportamento. Não se comportou como um cão a rosnar ou a ladrar, como vemos na rua. Era apenas um lobo curioso que veio ver o que éramos e o que seria aquela coisa estranha no tripé. E depois de uma boa cheiradela tornou-se-lhe claro. Estes animais confiam muito no olfato. Não se tratava de algo que pudesse comer; não era nada que lhe interessasse e simplesmente seguiu seu caminho. Acho que é assim que um encontro com a vida selvagem deve ser. Em qualquer outro lugar, se um lobo nos visse a um quilômetro de distância simplesmente fugia. E acho isso triste. Ao longo dos anos a vida selvagem foi muito perseguida pelos humanos, especialmente à medida que fomos aperfeiçoando as nossas técnicas com arcos e flechas, lanças, pistolas e espingardas de precisão e sabe Deus mais o quê. Acho muito triste que os humanos sejam a espécie dominante no planeta e que tantas outras espécies tenham com medo de nós. E a verdade é que elas têm toda a razão de ter medo porque estamos a dizimar populações em todo o mundo.

 

Quem não merece estar aqui somos nós…
Exato, e ainda assim somos considerados a espécie mais inteligente do planeta.

 

Mas não somos.
Bem, depende da forma como medimos a inteligência. Veja Israel. Estão a destruir-se. Estão a eliminar a própria espécie. Os humanos estão a destruir a sua própria espécie. Veja a poluição, veja as enchentes. Veja a COVID. Há muitas teorias da conspiração sobre a COVID, mas é possível que a verdadeira resposta científica do modo como a COVID evoluiu esteja ligada à nossa acção. Dizem que através da pecuária intensiva fomos nós que fornecemos o terreno perfeito para que este vírus surgisse. Veja a gripe aviária. Sabemos que a gripe aviária evoluiu por termos mantido 40 mil galinhas no mesmo espaço. Nos espaços onde existem grandes números da mesma espécie, cria-se o ambiente perfeito para a proliferação de vírus ou de bactérias e assim que estes penetram a população, podem dizimá-la. Foi exatamente a isso que assistimos com a COVID e a gripe aviária. O que deveríamos realmente fazer era mudar: abandonar a carne, abandonar o frango e o leite e deste modo deixávamos de precisar destas práticas de pecuária intensiva que são um terreno fértil para os vírus que depois podem afectar os seres humanos.

 

Como viajante experiente, como alguém que conhece tantas espécies tão bem, qual seria a sua mensagem para o mundo, Gavin?
Sabemos como o planeta era, sabemos como o estragámos, mas na verdade temos todas as soluções para resolver todos os problemas. Acho que um dos maiores problemas do planeta é a ganância. Acho que o capitalismo é saudável até certo ponto, mas a ganância é insalubre. Veja os exemplos no mundo natural. Conseguimos, no mundo natural, encontrar algum exemplo de animais que armazenem ou que procurem mais comida do que necessitam?

 

Não.
Temos os Elon Musks da espécie humana, que têm bilhões e bilhões. Se Elon Musk abdicasse 99% da sua fortuna podia acabar com a fome no mundo. Podia acabar como os sem abrigo… Em Inglaterra há registo de mais de 47 mil instituições de caridade. Seja para cães-guia para cegos ou para pesquisas sobre o câncer ou o que for, todas elas são financiadas apenas pela bondade de outros humanos que querem tentar resolver um problema. E, no entanto, temos uma mão cheia de seres humanos que têm tanta riqueza entre si e que poderiam acabar com tudo isto e curar a sociedade, acabar com a fome, com a falta de habitações, com as doenças, e Deus sabe mais o quê. O que é interessante é que, inerentemente, os seres humanos são bondosos e caridosos, e é por isso que todas essas instituições de caridade funcionam. Mas, na verdade, temos uma percentagem muito pequena de seres humanos que são gananciosos ou maus e é isso que complica tudo para todos os outros.

 

Acredita que o mal é mais forte do que o bem?
Acho que o mal é menos comum, mas penso que tem um maior impacto. A bondade é mais comum, mas tem um impacto menor. Ela tem um menor impacto numa base mais individual, ao passo que o mal pode afetar populações inteiras.

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