Os alemães Rainer Zietlow, Marius Biela e Matthias Prillwitz arrancaram no início do Outono rumo a África, determinados a bater o recorde para a travessia dos continentes europeu e africano entre os seus extremos norte e sul. Ao volante de um dos novos Volkswagen Touareg 3.0 TDi, contavam ligar os cabos Norte e Agulhas em dez dias. Um acidente na Tanzânia impediu-os de conseguir isso, mas não de quebrar o anterior recorde, que fixaram em 21 dias, 18 horas e 17 minutos, menos uma semana que a marca anterior…
Texto: T.T. Fotos: Marius Biela/D.R.
Bater um recorde é sempre um desafio. Nalguns casos, é mesmo um desafio enorme. Que o diga Rainer Zietlow, um alemão que em 2004 decidiu converter o seu hobby no modo de vida e que desde então já estabeleceu quatro recordes que, em comum, tiveram todos um aspecto: implicaram conduzir um Volkswagen. O último destes desafios, coroados com mais um recorde, foi de longe o mais atribulado do seu currículo. Mas, apesar de tudo, resultou na conquista do objectivo: a ligação mais rápida entre os extremos norte e sul da Europa e de África. Para ir do cabo Norte, na Noruega, bem acima do Circulo Polar Ártico, ao Cabo Agulhas, na África do Sul, não muito longe da Cidade do Cabo, a Volkswagen preparou especialmente, na sua fábrica em Bratislava, um Touareg V6 TDi, que atravessou 19 países por três continentes – na Turquia o percurso fez uma breve incursão pela Ásia –, percorrendo 18.007 quilómetros em apenas 21 dias, 17 horas e 18 minutos!…
O mais impressionante é pensarmos que, na realidade, o tempo de viagem real foi bem inferior, pois o Volkswagen de Zietlow rolou apenas durante 8 dias, 10 horas e 26 minutos, menos cerca de 20 dias do que o recorde anterior, fixado há longos anos em 28 dias. A diferença entre estes oito dias de tempo real e os 21 dias averbados no novo recorde são as duas semanas em que o Touareg esteve imobilizado em Dar-es-Salaam, recolhido nas instalações do importador da Volkswagen na Tânzania para sofrer uma morosa reparação, que refez toda a secção frontal do veículo, que ficou destruída num acidente rodoviário ocorrido no sexto dia de viagem, quando Rainer e os seus companheiros, o fotógrafo Marius Biela e o navegador Matthias Prillwitz, se preparavam para entrar na cidade de Iringa, onde contavam fazer uma breve paragem para almoçar e comer uma das raras refeições quentes de toda a viagem.
ATRAVESSAR A EUROPA
EM APENAS 48 HORAS
A rota estabelecida previa um percurso de cerca de 17.000 quilómetros, atravessando logo de arranque os quatro países escandinavos – Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca -, para depois da passagem pela Alemanha seguirem directos à Turquia, cruzando a República Checa, a Eslovénia, a Hungria, a Sérvia e a Bulgária. A caminho da República Checa, ainda a meio da primeira manhã, o Volkswagen ficou retido num imenso engarramento, numa auto-estrada germânica. Na fronteira, uma equipa da Volkswagen checa esperava-os para os orientar pelo percurso com menos trânsito até ultrapassarem Praga, ajuda preciosa que lhes permitiu recuperar algum do tempo perdido. Mas isso custou-lhe a paragem para jantar; na primeira noite na estrada, foi Marius Biela, o fotógrafo, quem preparou umas sanduíches para todos. E de manhã, ainda cedo, estavam em Bratislava; o pessoal da fábrica onde o Touareg é produzido preparou uma surpresa mesmo junto à fronteira eslocava: a estação de serviço onde estava previsto mais um reabastecimento, havia uma comitiva, entre mecânicos que tinham preparado esta viatura, inúmeros jornalistas e responsáveis da Volkswagen. E pequeno almoço, claro! Porque pela hora do almoço, que não teve direito a paragem, pois o cronómetro jamais atrasaria a contagem, já passam pela Hungria a caminho da Sérvia. E foi aqui que pela primeira vez os passaportes tiveram de ser exibidos na fronteira. E carimbados. Daqui em diante, isso tornou-se a regra. Ainda na segunda jornada, já bem tarde, de noite, repetiram a operação para entrarem na Bulgária, para ao amanhecer do terceiro dia estarem à porta da Turquia, onde conseguiram tomar um duche rápido, numa estação de serviço antes da fronteira. Foi o primeiro banho desde a partida!
E EM ÁFRICA AO DESPERTAR
DA QUARTA JORNADA
O dia foi todo passado a percorrer a Turquia, descendo rumo ao sul. Numa tirada de 1000 km, somente pararam durante 10 escassos minutos, junto a um lago salgado e a uma barraca de venda de fruta. Tinham mesmo de esticar as pernas. E aproveitaram para comprar alguma fruta, mas comeram-na em andamento. Tiveram a recompensa ao anoitecer, quando alcançaram o aeroporto onde homens e viatura embarcaram num jacto de carga, para um curto voo sobre o Mediterrâneo até África! Enquanto decorria esta operação, puderam de novo tomar um banho, especialmente reconfortante, além de finalmente terem podido tomar uma refeição quente.
Foram somente duas horas de voo até aterrarem em Mersa Matruh. E antes de poderem fazer-se à estrada, ainda precisaram de mais meia hora para completar a reparação do portão da bagageira, até o carro ser por fim verificado pelos funcionários da alfândega. Para não variar, dois Tiguan com elementos da Vokkswagen do Egipto tinham ido ao encontro dos expedicionários para escoltarem o Touareg através do país. Chegaram ao Cairo ao amanhecer, não conseguindo evitar o trânsito, mas pelo começo da tarde já tinham passado a cidade monumental de Luxor e a ponte sobre o rio Nilo; o termómetro marcava então 43 graus centígrados e o asfalto parecia derreter-se sob as rodas.
Rolando pelo deserto até Assuão, num percurso com rectas intermináveis e constantes postos de controlo militares, as horas foram-se passando quase sem dar pelo quanto tinham avançado, já que o cenário parecia sempre o mesmo. Contavam atingir a fronteira do Sudão ainda na quarta noite. E conseguiram mesmo. A passagem do Egipto para o Sudão foi feita num posto de controlo militar, que abriu excepcionalmente para estes aventureiros. Chegaram lá já de noite e todas as formalidades processaram-se com ainda maior facilidade. Ao amanhecer já tinham rolado um milhar de quilómetros pelo interior do Sudão, sempre acompanhados por uma pick-up Amarok do importador local da Volkswagen. Em Cartum, a capital sudanesa, fizeram apenas uma paragem para reabastecimento, a meio da noite, pelo que ao nascer do sol já se encontravam bem próximos da fronteira com a Etiópia. Entrar neste país foi totalmente diferente. Ficou registada como a mais morosa das fronteiras por onde tiveram de passar, obrigando-os a visar os documentos em três locais distintos nos edifícios do posto, além de esvaziar e voltar a arrumar tudo o que transportavam; à força da repetição, isso já era nesta altura feito sem a menor dificuldade e em poucos minutos, pois com o cronómetro a contar, cada segundo perdido era precioso.
Na Etiópia, o Volkswagen rolou pela primeira vez absolutamente sozinho. E entrou definitivamente na admirável “África Negra”. As estradas foram piorando, quer em condições de piso, quer em tráfego. E não apenas pelos outros veículos, mas igualmente pela quantidade de gente que frequentemente caminhava, além dos animais, que parecia não se assustarem ao ver o Touareg avançar. Assustadores eram os condutores locais, que ora circulavam à direita, ora à esquerda, ora simplesmente aos ziguezagues. A noite do quinto dia de viagem, ainda a caminho de Addis Abeba, trouxe dois sustos aos alemães, mas as dificuldades foram superadas e o prémio foi chegarem a Addis Abeba pela uma da manhã do sexto dia, ainda perfeitamente dentro do tempo estimado!
CRUZAR COM OS “BIG-FIVE”
Tomando rumo ao Quénia, chegaram à fronteira no momento certo: no posto etíope, o funcionário preparava-se para encerrar e sair para almoço, mas conseguiram-no convencer e aquilo que poderia ter sido uma longa espera, acabou até por agilizar ainda mais as formalidades. Em minutos entravam no Quénia, onde os esperavam uma escolta armada, que seguiu junto do Touareg durante toda esta jornada, agora em direcção à Tanzânia, rodando sobretudo por pistas, onde outro perigo espreitava, além de eventuais assaltantes: os grandes animais da savana. Um enorme elefante, um dos famosos “big-five” da fauna africana, cortou mesmo a passagem ao Volkswagen, que foi forçado a imobilizar-se uns minutos, diante do olhar desconfiado do paquiderme…
Este foi o dia em que o Touareg andou mais em pistas poeirentas, do que em asfalto e tirando dois voos imprevistos em lombas que não entenderam a tempo de abordar a menor velocidade, esta fase foi ultrapassada sem o menor incidente a registar. Conduziram a noite toda através da savana e ao amanhecer, Zietlow e os seus companheiros já estavam na fronteira com a Tanzânia e saiam do Quénia depois de atravessarem as famosas pastagens do Masai Mara.
A sensação de participarem num safari africano acentuou-se no sétimo dia, quando percorreram a região do Serengueti e da cratera de Ngorongoro. Embora tivessem percorrido a cidade de Arusha no pior momento, com o trânsito matinal, ao fim da manhã já tinham avançado de tal modo pelo interior da Tanzânia, sempre em direcção à fronteira com a Zâmbia, que decidiram intervalar as refeições a bordo, com sanduíches preparadas em andamento, com uma paragem em Irunga, para um merecido almoço, num restaurante à beira da estrada, que tinham experimentado nos reconhecimentos. Foi então que aconteceu o que menos esperavam: um automóvel chocou violentamente contra o Touareg, danificando seriamente a frente do Volkswagen. Por momentos, os três aventureiros pensaram que tudo estava perdido e que tinham feito um esforço em vão…
REPARAÇÃO EM TEMPO RECORDE
Do acidente não resultaram senão danos materiais. E ao desânimo no primeiro momento, seguiu-se uma reacção enérgica. A viagem não podia terminar assim, sem mais, nem menos, na berma da estrada, seis dias, nove horas e 35 minutos depois de terem partido do Cabo Norte. Um contacto com o importador da Volkswagen, na capital, permitiu assegurar que o Touareg podia ser transportado até Dar-es-Salaam, para que os danos fossem avaliados.
Ao fim de 13 dias de paragem, o carro estava reparado e assim que o motor voltou a funcionar, saiu imediatamente da oficina. Nessa mesma noite atravessaram a fronteira com a Zâmbia, que rapidamente ficou para trás. Ao segundo dia de viagem, nesta fase final, tinham ainda percorrido o Zimbabué e alcançado o Botswana, desde as margens do Zambeze e do Okavango até às terras desérticas do temível Kalahari. Somente restava atingir a África do Sul.
A derradeira fronteira chegou ao pouco depois e as estradas sul-africanas, bem asfaltadas e quase sempre com pouco trânsito, tornaram ainda mais fácil alcançar o ponto final. Após dois dias e apenas 51 minutos da partida de Irunga, em plena noite, Zietlow, Biela e Prillwitz chegaram finalmente ao Cabo Agulhas e inscreveram os seus nomes no livro dos recordes das grandes viagens em automóvel!