Tudo à volta respira tranquilidade. E vive-se ao sabor do tempo. Tranquilamente. Sem pressas. E sempre rodeados por uma natureza exuberante por onde corre o rio Dão. Um pouco mais além também o Mondego. E é neste enquadramento, com a Serra da Estrela como guardiã, que encontramos os Moinhos do Pisão, um espaço de turismo rural que conta histórias de vida testemunhadas pelas pedras de granito das suas casas. E pela própria Natureza.
Texto e fotos Fernando Borges
Chega-se com medo de acordar o silêncio que envolve um largo formado por casas feitas de grandes pedras de granito por onde pessoas, gatos e o tempo entram por janelas e portas de madeira.
Paredes que projectam sombras no asfalto e que desenham esse mesmo largo e alguns bancos encostados a essas mesmas paredes onde se sentam, quando a sombra também ali se senta, corpos de gentes que são testemunhos de antigas décadas. Quando ali, em Pisão, se moía o milho lá mais em baixo onde o rio Dão faz o seu caminho. Ora abrindo-se ou apartando-se em pequenas lagoas e ribeiras, ora caindo pelas rochas em pequenas e frescas cascatas que antigamente alimentavam levadas e laboriosos aquedutos em granito que levavam essa mesma água a velhos moinhos.
Agora, séculos passados, desses moinhos de rodízio, testemunhos de quando a broa de milho constituía a base da alimentação das populações rurais de Pisão e de outras aldeias e vilas à volta, apenas restam as paredes e um ou outro tronco escavado pelo homem para a construção de uma levada.
Paredes abandonadas pelo tempo e pelo homem mas que ainda se erguem para contar histórias a quem se arrisca a caminhar por entre violetas, fetos, musgos, giestas, pinheiros bravos, estevas, medronheiros e salgueiros, ou saltando de pedra em pedra por vezes desafiando a lógica do equilíbrio. E como vale cada braço e perna arranhada, cada salto dado.
Depois, depois é o doce silêncio alimentado pelo suave cair das águas que alimentam a ribeira das Calvas, pelo bater dessas mesmas águas nas enormes pedras que formam as quedas de Aldrague, e pelo cantar de gaios e melros de água entre o poisar ou o voar de guarda-rios, águia de asa redonda, poupas e gaviões.
Sim, aqui vive-se tranquilidade e muita paz. Neste espaço entre o Dão e o Mondego, rios que cavaram os seus cursos entre encostas graníticas e que é o coração do vinho do Dão.
E é neste espaço, em Santar, em terras de antigos moleiros que encontramos a aldeia de Pisão. E nela os Moinhos de Pisão, um turismo rural composto por casa tradicionais roubadas ao abandono e que pretende preservar tradições ancestrais Onde se adormece embalado pelo murmúrio das águas ou o miado dos gatos e onde se acorda com o cantarolar dos galos e o chilrear de rouxinóis, melros e pintassilgos. Também com o aroma do pão acabado de sair do forno que nos entra pelo quarto num simpático “bom dia”.
São nove casas tipo chalés completamente reconstruídas e que mantêm o granito e a madeira, que preservam a traça original, que oferecem todas as condições de conforto e vistas que se estendem em direcção da serra da Estrela e do Caramulo, pelas florestas e pelas maiores vinhas da região vinhateira do Dão.
No seu interior, o convite é feito para que façamos uma viagem étnica por várias culturas do mundo através de peças de mobiliário e de artesanato, numa harmoniosa conjugação com as tradições locais, ao mesmo tempo que nos convida a momentos de puro relax e a profundos respirares dos ares puros que envolvem toda esta região.
Uma óptima opção para oferecer ao corpo e à mente um merecido descanso, a um estar tranquilo e assistir ao suave passar do tempo que aqui acontece e que tem no jardim do que poderíamos chamar de “casa modelo”, a Casa do Carvalho, o seu máximo sentir.
Um espaço que convida à contemplação, ao “simples estar”, a passeios por pequenos caminhos que nos levam ao encontro de roseirais, ora passando entre túneis de mimosas, ora por uma ponte de madeira sobre um pequeno lago cujas águas reflectem todo o verde envolvente, para mais à frente um pequeno lounge convidar à leitura enquanto se respira todo o ar que ali chega vindo das serras.
Mas daqui também se parte ao encontro de moinhos de água e de cascatas, do verde constante que mais além parece abraçar o azul do céu, de escondidas linhas de água ornamentadas com violetas, fetos, musgos e seculares salgueiros, ribeiras cheias de encanto que parecem “cantar” como que num desafio para um mergulho…
Mas há ainda o circuito das praias fluviais e das histórias contadas pelas pedras que formaram lugares como Nelas, Canas de Senhorim, Beijós, Póvoa Adão ou Cabanas de Viriato, essa terra onde se ergue, após décadas de abandono, a casa agora transformada em museu de Aristides de Sousa Mendes.
Circuitos que nos levam também ao encontro das águas terapêuticas das Termas de Sangemil e de Alcafache ou, um pouco mais além, das Termas de Carvalhal.
Também dos sabores que descem das serranias, da riqueza gastronómica onde reina o coelho e o galo de cabidela, o arroz de míscaros, a costela em vinha d’alhos, o cabrito à padeiro, as barriguinhas de leitão na brasa e as favas aporcalhados – favas descascadas acompanhadas por morcela, chouriço de carne, lentriscas (entrecosto de porco), massa de pimentão, limões, ramas e dentes de alho, azeite e vinagre.
Assim como do que muitos consideram a grande especialidade gastronómica desta região, os ossos de Assuã, um petisco composto por ossos assados na brasa com uma pedra de sal grosso, a que se junta farinheira, chouriça, grelos e couves do lagar.
Sabores que deverão sempre ser acompanhados pelos vinhos do Dão, ou não estivéssemos nós no coração da Região Vinícola do Dão e no berço da Touriga Nacional, tornando obrigatório percorrer pelo menos uma das três Rotas do Vinho do Dão propostas e visitar algumas das vinhas, quintas e casas onde é produzido um dos mais apreciados vinhos nacionais.
Descobri-las, é também descobrir um mundo de aromas e sabores que torna esta região onde se encontra os Moinhos do Pisão ainda mais sedutor. É sentir ainda mais de perto a montanha, o rio e as suas gentes. É percorrer caminhos feitos de água e de pedra. É regressar às origens entre memórias ainda vivas. É sentir a natureza no seu estado puro entre cascatas e moinhos, agora abandonados, mas que já foram o pão de quem calcorreava com as suas ovelhas e cabras as montanhas que parecem abraçar este espaço de turismo rural que dá pelo nome de Moinhos do Pisão.