Na terra do Sol da Meia-Noite fazemos um périplo pela cultura nórdica, pelos cenários majestosos especialmente impressionantes no Inverno e cuja natureza urge preservar. A Lapónia representa uma das últimas regiões selvagens da Europa
Fotos Visit Finland
Estende-se por territórios norueguês, sueco, finlandês e russo, sendo governada e administrada por estes quatro países e ocupando um terço da superfície finlandesa, país onde encontra a sua capital, Rovaniemi, que se situa entre duas serras e é cercada por uma floresta boreal (taiga). Cidade conhecida mundialmente como a morada do Pai Natal, Rovaniemi é atravessada pelo paralelo que marca a fronteira com o Círculo Polar Ártico, a oito quilómetros do seu centro, onde se encontra claramente assinalado. A partir desta linha, acreditam os locais, deixamos as preocupações e os problemas para trás. Talvez seja mesmo verdade, se considerarmos a beleza ímpar desta região e os fenómenos naturais que ali se verificam e nos recordam a verdadeira dimensão do ser humano.
Graças à sua localização, em Rovaniemi assiste-se, no Verão, ao Sol da Meia Noite (portanto haverá luz solar durante mais de 24 horas seguidas) e, no Inverno, à Noite Polar (ou seja; a uma noite que, dependendo de estarmos mais ou menos próximos do polo, durará mais de 24 horas, chegando até a estender-se ao longo de vários meses).
O lugar do Pai Natal
É em Rovaniemi que se situa a famosa Aldeia do Pai Natal, um ponto que podemos visitar durante todo o ano, mas que obviamente na quadra natalícia adquire maior brilho e entusiasmo, e precisamente na praça central, lá está ele, bem assinalado no chão, o paralelo que marca a passagem para o Ártico. A Aldeia do Pai Natal representa também o único lugar do mundo onde será possível ultrapassar esta barreira subterraneamente, fazendo-se uma visita à gruta do Pai Natal, no parque, que nos transportará a 50 metros abaixo da superfície terrestre.
Este mundo encantado do Natal, onde abundam as lojas de recordações e se encontra a própria Estação de Correios do Pai Natal que todos os Invernos recebe pedidos de crianças de todo o mundo (e de onde acreditamos que esta mítica personagem parte na noite de 24 de Dezembro montada no seu trenó puxado por renas), conta com uma série de actividades em que se pode (e deve!) participar. Além de podermos finalmente conhecer o próprio Pai Natal e visitar a sua casa, poderemos aproveitar para saborear pratos próprios da região do Ártico depois de visitarmos a Quinta dos Elfos e o Arctic Circle Husky Park, sem esquecermos, obviamente, as renas que tornam possível a mais incrível travessia nocturna do ano. Na verdade, o que não falta nesta região são opções para desfrutar de uma Natureza que poderá ser impiedosa mas que prima pela beleza e pela diversidade de actividades que proporciona e das quais são exemplo os passeios de trenó puxados por huskies ou por renas. Também podemos ficar aqui alojados; a diversidade de oferta é considerável e responde um pouco a todos os gostos, desde as ofertas em gelo, aos igloos, às luxuosas cabanas e villas, apartamentos de férias e ao parque de caravanas para os campistas que tragam os seus atrelados.
Os fogos de raposa
Uma das maiores atracções da Lapónia consiste, sem dívida, na possibilidade de testemunharmos as célebres auroras boreais, as chamadas northern lights, visíveis cerca de 150 noites por ano nesta região. Em Rovaniemi, este verdadeiro espectáculo natural pode ser observado tanto dentro como fora da cidade entre os finais de Agosto e o início de Abril. Para este efeito será necessária uma noite escura e de céu limpo e a ausência de poluição visual (como as luzes de iluminação das ruas ou anúncios em néon) no ponto onde nos encontrarmos. Uma das vantagens de Rovaniemi constitui precisamente em não nos vermos obrigados a afastar-mo-nos muito do centro para encontrarmos o ponto ideal para observarmos os céus do Norte. Perto do centro da cidade, o Arctic Garden, atrás do museu Arktikum constitui um spot muito popular, tal como a montanha de Ounasvaara. As auroras boreais podem verificar-se entre as 22 e as duas horas da madrugada, sendo também possível que ocorram logo às 19, pelo que dadas as baixas temperaturas, ou se adere ao serviço de notificações instantâneas Aurora Alert Realtime ou se aposta numa excursão com um guia e se parte em busca das luzes do norte a bordo de snowmobiles ou de trenós puxados por huskies ou por renas para se testemunhar o fenómeno. As auroras boreais resultam da colisão de ventos solares com a atmosfera da Terra e o campo magnético (que actua como um escudo), produzindo-se, assim, o “espectáculo” que na maioria das vezes assume uma tonalidade verde, mas que poderá vestir cores como o encarnado, o rosa, o violeta, o amarelo e até o azul. Ainda no passado dia 17 de Setembro, a Terra foi atingida por um considerável jacto de plasma solar (resultam de erupções solares) que terá provocado uma impressionante dança de luzes nos céus. A este fenómeno que também ocorre em Júpiter, Saturno, Marte e Vénus chamou Galileu aurora boreal em 1619. Homenageava assim a deusa romana do amanhecer e Bóreas, deus grego que representava os ventos do Norte. No folclore finlandês são revontulet (fogos da raposa), nome que deriva da lenda alimentada pelo povo sámi e que narrava que as auroras resultavam de faíscas produzidas pelas caudas de raposas ao tocarem na neve enquanto estas corriam desenfreadamente pelo território da Lapónia ou, como lhes chamavam os sámi, Sápmi.
De homens e de feras
Os sámi, ou lapões, são os descendentes dos povos nómadas que habitaram o norte da Escandinávia durante milhares de anos. Calcula-se que quando os finlandeses entraram nesta região, por volta de 100 d.C. os seus acampamentos tenham sido dispersos por todo o território, encontrando-se agora confinados ao extremo norte desta região. Tratam-se dos únicos indígenas do continente europeu. Famosos pelo estilo de vida seminómada e pela criação de renas, são também talentosos pescadores e pastores de ovelhas num território onde a vida selvagem é diversa e absolutamente fascinante, sempre acompanhados por renas, talvez o mais apreciado animal da Finlândia, que há cerca de mil anos começaram a domesticar.
No território finlandês existem cerca de 1500 ursos pardos, mas nem por isso se torna fácil serem avistados, já que são extremamente tímidos e reservados. O lince euroasiático (muito difícil de avistar pois são criaturas solitárias que costumam evitar o encontro com o ser humano) tem vindo a crescer (desde 1991) no que respeita à população existente neste país, estimando-se que seja actualmente superior a qualquer outra antes verificada. O lobo pertencerá também ao grupo de espécies mais difíceis de detectar, uma vez que este espantoso animal se encontra seriamente ameaçado. Especialista em camuflar-se (antigamente era alvo de caça dado o valioso pelo e agora está seriamente ameaçada com a redução e eventual desaparecimento da tundra do Ártico), a raposa do ártico ou raposa polar muda de pelo (castanho no Verão, branco no Inverno) de acordo com as estações do ano, não hibernando ao longo da estação mais fria, como fazem os ursos pardos (e para quem os finlandeses têm mais de 200 nomes!). A águia dourada, que escolhe apenas um parceiro para acasalar ao longo de toda a vida e que chega a alcançar dois metros de envergadura, e a coruja cinzenta, cujo chamamento mais habitual consiste num grito suave e grave que se repete a cada 15 a 30 segundos, lideram o grupo das aves mais impressionantes que aqui poderemos observar. Pertencerá, no entanto, à foca anelada de Saimaa a posição mais importante no contexto da vida selvagem finlandesa, já que representa a mais rara na família das focas. Habita o Lago Saimaa, onde se isolou dos outros animais nos finais da Era do Gelo, e que agora conta com a presença de cerca de 400 exemplares desta espécie seriamente ameaçada.
A ameaça e o impacto da crise climática
A cerca de 180 quilómetros de Rovaniemi, o Salla National Park é o 41º parque nacional finlandês. Foi inaugurado no ano passado, localizando-se dentro do Círculo Polar Ártico e contando 100 quilómetros quadrados. Insere-se numa das regiões menos povoadas da Europa, promovendo uma série de actividades ao ar livre (caminhadas, ciclismo, esqui, snowshowing), mas aposta sobretudo na preservação de um território que poderá representar uma das últimas regiões selvagens da Europa. Por este motivo, o presidente da câmara local Erkki Parkkinen colaborou com uma campanha que visa chamar a atenção para os perigos das alterações climáticas que actualmente têm vindo a manifestar-se, recorrendo a um humor certeiro e inteligente e que poderá ser consultado em www.youtube.com/watch?v=sSZSrjmmSIo. Num contexto ártico, Salla anuncia a sua “candidatura” a morada de realização dos Jogos Olímpicos de Verão de 2032, assumindo uma firme posição no apoio à preservação da vida selvagem e do esplendor natural daquela região. Com temperaturas que registaram valores históricos no Verão de 2020, toda a região da Lapónia poderá estar ameaçada. O jornal The Guardian escrevia em 15 de Dezembro daquele ano “os Verões são muito diferentes dos Invernos: as temperaturas médias rondam a casa dos 10ºC e durante as ondas de calor sobem até aos 20ºC. Contudo, nos últimos verões assistiu-se a temperaturas nunca antes verificadas em virtude da emergência global climática. Em 2018, Rovaniemi, a ‘morada oficial do Pai Natal’ registou-se um máximo sem precedentes de 32 graus centígrados.”
De acordo com informação veiculada pelo canal informativo Yle finlandês (considerado como fiável e bom prestador de um serviço público de informação por 70 a 92% da população) no passado dia 28 de Fevereiro, a Lapónia está também a perder as suas turfeiras em virtude das alterações climáticas. Consideradas entre os ecossistemas mais ricos em carbono da superfície da Terra, as turfeiras assumem, em condições naturais, um papel de arrefecimento do clima, reduzindo também o risco de inundações e favorecendo a biodiversidade. De acordo com a Metsähallitus, empresa estatal finlandesa que administra a maioria das áreas protegidas e de floresta, estes cruciais agentes no combate à crise climática que, entretanto, se encontrem danificados poderão passar a emitir carbono, uma vez que a sua degradação e sobre-exploração pode originar a libertação de quantidades significativas de gases com efeito de estufa na atmosfera.
Num país que tem como objectivo alcançar a neutralidade carbónica até 2035 e que, ano após ano, se tem destacado como o mais feliz do mundo, o reconhecimento da importância da Natureza e o esforço de protecção da mesma é sem dúvida uma realidade, valorizando-se a sua preservação a par com a apreciação das coisas simples da vida, como a chegada do sol, nos primeiros dias de Verão, ou o deslumbre das auroras boreais aos céus límpidos das noites mais escuras. Um dos últimos redutos de vida selvagem do nosso velho continente e por tantas razões último no planeta, merecerá certamente a nossa atenção, a nossa dedicação e a nossa protecção.