Quinhentas espécies endémicas, dunas de perder de vista, oásis de palmeiras, vulcões, barrancos, grutas pré-históricas, praias de areia branca e fina vivem, em equilíbrio perfeito, em escassos 1560 quilómetros quadrados. Bienvenidos a Gran Canaria.
Texto e Fotos: Alexandra Sumares
Beneficiando de uma situação geográfica privilegiada, os Canários bem se podem gabar dos seus (quase) 365 dias de sol por ano. E mesmo estando localizados em pleno oceano Atlântico usufruem ainda das correntes do Golfo para amenizar as suas águas. Sol todo o ano, águas cálidas e a sua proximidade à Europa, compõem a fórmula perfeita para atrair ingleses, alemães e escandinavos – principalmente durante Outubro, Novembro e Dezembro, considerada a alta temporada da ilha – sedentos por trocar os seus invernos tenebrosos pelos agradáveis 24º graus da ilha.
A Gran Canaria é de origem vulcânica e por isso na sua maior parte rochosa e seca. O seu ponto mais alto, o Pico del Pozo de las Nieves, mede 1949 metros. Com 850 mil habitantes é a segunda ilha mais povoada do arquipélago e situa-se a escassos 210 quilómetros da costa ocidental de África.
A incorporação da ilha à coroa dos reis católicos de Castela, no século XV, não foi pacífica. A população aborígene opôs-se fogosamente e muitos foram aqueles que preferiram morrer a pertencerem ao reino de Castela. Em Las Palmas, uma estátua com vários canários em luta, glorifica aqueles que se sacrificaram, em vão, pela independência da ilha.
Uma cordilheira central divide a ilha em duas áreas distintas. O sul mais solarengo, mais árido e com praias de areia. O norte com temperaturas mais amenas, mais verdejante e com pequenas praias com angras.
Ao contrário do que se pensa o nome “Canárias” nada tem a ver com canários ou outra espécie de pássaros, mas sim, espantosamente, com cães. Em vários relatos, as ilhas foram descritas e apelidadas na obra de Juba II, o rei da Numídia, por “Ilhas dos cães” por nelas terem encontrado grande número de cães trazidos por mar pelos colonizadores originais, possíveis povos mediterrânicos (ainda agora, a origem do povo indígena das Canárias é discutido…).
A população, seja qual tenha sido a sua origem, está habituada a receber, sendo muito hospitaleira, tranquila e amável. A língua castelhana é similar à dos sul-americanos no sotaque e na forma suave e calma de falar. Muitas palavras diferem, como por exemplo “molho”, como em português, substitui a “salsa” de Espanha. Os canários orgulham-se e promovem a sua simpatia. Permanentemente se ouve: “se queres fazer novos amigos, vem para as Canárias”.
Primeira rota: Las Palmas
Las Palmas é a capital da Gran Canaria, declarada património da Humanidade pela UNESCO em 1990 e, onde está localizado o aeroporto internacional, o quarto aeroporto com mais tráfego de Espanha, depois de Madrid, Barcelona e Tenerife, respectivamente. A capital tem duas zonas bem diferenciadas: a parte histórica, casco viejo, onde se encontra o bairro típico de Vegueta e Triana; e, a zona portuária com a famosa praia de Las Canteras.
As origens da cidade de Las Palmas da Gran Canaria remontam ao ano de 1478 quando um exército dirigido pelo major espanhol Juan Rejón desembarcou na ilha e estabeleceu o seu acampamento começando a conquista das Canárias. Em meados de 1483 iniciaram-se as primeiras construções em Las Palmas dando-se especial prioridade aos edifícios religiosos e de beneficência para atender às necessidades da nova população. Os nomes das suas ruas recordam os seus antigos moradores, acontecimentos e personalidades que foram relevantes no dia-a-dia da cidade.
Vegueta é um bairro aristocrático caracterizado pelo estilo colonial dos edifícios, pátios floridos e varandas de madeira. As suas ruas, fontes e praças empedradas sopram História. Deambulando pelas ruas pedonais encontramos a Catedral de Santa Ana, situada na praça homónima, cenário de grandes acontecimentos políticos. O processo construtivo da Catedral iniciou-se em 1500 estendendo-se até ao século XIX, com a necessária intervenção de diferentes artistas e razão pela qual foram empregues três estilos arquitectónicos diferentes. O interior, em estilo gótico, com três naves, a Puerta del Aire (ou Porta de Ar) e algumas capelas em estilo Renascentista e o exterior neoclássico. Dentro da Catedral albergam-se ainda o Pátio das Laranjeiras e o Museu de Arte Sacra.
Nas ruas históricas de Veguera, o ambiente é descontraído e hospitaleiro. Restaurantes e pequenos bares de petiscos enchem as praças e as ruelas onde locais e turistas se misturam. Aos Domingos há pela manhã uma feira artesanal e às Quintas-Feiras, os estabelecimentos gastronómicos do bairro oferecem um menu de 2 euros que inclui um petisco (tapa) e uma imperial. As emblemáticas “Jueves de Vegueta” juntam jovens universitários, turistas e habitantes de outros povoados.
Museu Casa de Colón
Hoje visto como um centro cultural de história e de arte único entre as Canárias e a América, o museu “Casa de Colombo”, antiga casa do governador e onde se presume que Cristóvão Colombo foi recebido na sua primeira visita à ilha em 1492, foi aberta ao público, como museu, em 1952. Esta casa-museu, que ocupa todo um quarteirão, está dividida em dois grandes pátios e quinze salas de exposições permanentes.
No bairro de Triana, mais comercial e piscatório, encontram-se todas as espécies de lojas. Desde o comércio tradicional, muitos bares e restaurantes, centros comercias (e muitas lojas de sexo!). Também se encontram as grandes marcas espanholas e algumas lojas de alta-costura principalmente na rua principal, a “calle Mayor de Triana”, que dá nome ao bairro. Mas não só de compras vive Triana. Aqui estão também reunidos alguns edifícios de grande valor histórico e artístico como o Teatro Pérez Galdós, de inspiração italiana e o “El Gabinete Literario”, de estilo neoclássico e decoração modernista.
Playa de Las Canteras
Situada em pleno coração da cidade de Las Palmas, a praia das Las Canteras é o orgulho dos canários. Uma extensão imensa de areia, sol todo o ano e várias montanhas de rocha envolvem grande parte da praia criando um ambiente selvagem que contrasta com o grande paredão que atravessa toda a praia, repleto de hotéis, cafés, restaurantes e lojas. As montanhas e as ondas bravias opõem-se ao ambiente urbano. Na praia joga-se raquetes, bola, pessoas atravessam todo o areal em ritmo acelerado, pratica-se surf, windsurf, muitas relaxam nas imensas chaise longue que invadem a praia. No paredão o tráfego de pessoas é também intenso. Muitos correm, outros conversam, encontram-se e convivem, usufruindo da variadíssima oferta hoteleira e de restauração. Apesar da azáfama, a atmosfera é descontraída e relaxante.
Em Las Palmas a oferta hoteleira é enorme e para todos os bolsos. A grande concentração de hotéis e hostels são exactamente na praia das Las Canteras. Na primeira linha da praia encontram-se os hotéis de 5 estrelas mas em ruas paralelas pode facilmente encontrar-se hotéis mais em conta e a cinco passos do areal.
Rumo ao sul
Procurando o sol, a grande maioria dos turistas opta pelo sul, para zonas como Maspalomas e Puerto Rico, urbanizadas por massivos resorts e zonas comerciais. As praias de areia – muitas delas artificiais, construídas com areia do Sara -, as dunas de Maspalomas e as compras – produtos a preços extremamente competitivos, sem IVA – fazem parte das grandes atracções do sul da ilha. Maspalomas incluem 17 quilómetros de costa, com inúmeras dunas, palmeiras e uma lagoa de água salobra conhecida como La Charca, que oferece abrigo e alimento a distintas aves migratórias. Na ponta, o farol de Maspalomas, com 65 metros de altura, encerra a duna.
Para chegar a qualquer ponto da ilha o turista utiliza normalmente o serviço de transfere do hotel. Também é fácil alugar um carro no aeroporto ou numa outra cidade, por cerca de 35 euros ao dia. O litro da gasolina custa pouco mais que 1 euro e as estradas encontram-se em perfeitas condições e servem praticamente toda a ilha. A distância a percorrer entre o ponto onde se encontra o visitante e o ponto oposto nunca ultrapassará os 80 quilómetros. Os curtos percursos e a condução tranquila dos canários fazem esquecer que estamos num país do sul da Europa.
Muito típico e usado por muitos nativos é o guagua, autocarro público que faz praticamente toda a ilha e que, segundo os locais, “ cumpre o horário”.
E é no sul que podemos encontrar os dois grandes segmentos de mercado da Gran Canaria: reformados e casais gay. Os reformados, normalmente endinheirados, elegem grandes cadeias hoteleiras para, em regime de tudo incluído, usufruírem do sol e do descanso das praias de areia. Os casais gay aproveitam o ambiente totalmente descontraído, gayfriendly e festivo da Playa del Inglês, por exemplo, onde centros comerciais se transformam à noite em zonas de bares e discotecas, animadas por performances de travestis e concertos.
Um dos percursos mais requisitados do sul é em direcção a San Bartolomé de Tirajana (centro da ilha) onde se pode visitar parques arqueológicos ( Parque del Bentayga), monumentos naturais ( Monumento Risco de Tirajana, Monumento Del Barranco de Guayadeque) e parques rurais ( parque del Nublo).
Alguns destes percursos são só possíveis de jipe. O regresso a sul pode ser feito pela estrada comarcal, de areia e pedra, e percorrer as montanhas rochosas, descobrindo oásis de palmeiras e pequenas aldeias rurais, esquecidas no tempo, engolidas nos vales e nos profundos barrancos. Pelo caminho chega-se ao reservatório de Ayagaures, a 370 metros do nível do mar. Vários canais, construídos a partir dos anos 60, fazem a comunicação entre esta barragem e as áreas de cultivo e outras barragens como Fataga, Chira e Soria. Estas extensas infra-estruturas hidráulicas são essenciais para a agricultura. Com a chegada do turismo e com a escassez da água, muito dos jovens largaram o trabalho rural e, onde outrora havia plantações de tomates, estão agora instalados enormes empreendimentos turísticos de rápido rendimento. Mesmo assim, a Gran Canaria continua ainda a exportar bananas, do norte da ilha e tomates, beringelas e pepinos, cultivados em estufas para protecção do vento. Esse mesmo vento é aproveitado para a produção de energias renováveis. Neste momento, só na Gran Canaria, existem 27 parques eólicos.
Da folia da Playa del Inglês para a Petite Venise
Saindo de Puerto Rico, uma das estâncias balneárias por excelência no sul da ilha, por barco, num agradável percurso de cerca de 30 minutos, chega-se a Puerto Mogan, ou a Petite Venise, pequeno porto piscatório no sudoeste da ilha. Os seus pequenos canais e pontes em estilo romântico valeram-lhe a qualificação de “Pequena Veneza”. Ao longo da sua marina pode-se encontrar variados restaurantes de cozinha típica e internacional, bares e pequeno comércio com artigos tradicionais. Em certas noites alguns bares e restaurantes têm concertos ao vivo, especialmente de guitarristas rock e blues mas, como se pode ler nos vários letreiros que anunciam o evento, “live music, but not too loud”!
O “camelo” afinal era dromedário
Os dromedários existentes na Gran Canaria têm as suas raízes no continente africano e posteriormente foram transportados para a ilha no princípio do século XV. Nas ilhas Canárias sempre foram chamados, erradamente, de camelos e rapidamente se converteram em animais de trabalho e misturavam-se com outros dromedários provenientes de África. No entanto, desde há cerca de três décadas que o “camelo canário” tem permanecido isolado e sem misturas. Por motivos sanitários a exportação de dromedários africanos foi proibida. Em 2011, o “Camelo das Canárias” foi reconhecido como um raça própria e única na Europa. Hoje em dia, com a queda da exploração agrícola são essencialmente utilizados para o transporte dos turistas. Se quiser experimentar opte pelos percursos nas dunas. Para além de ser o percurso mais agradável visualmente é onde o dromedário encontra o seu ambiente natural. As suas patas foram concebidas para a areia e não para terrenos rochosos. Infelizmente na ilha pode-se encontrar passeios de camelo nas zonas rochosas onde as características básicas do animal não são minimamente respeitadas.
Gastronomia
A referência gastronómica da Gran Canária são as batatas com molho picon. As batatas são cozidas com a casca e lavadas com lixívia, técnica para depois na cozedura enrugarem. As batatas são acompanhadas com o molho, feito à base de pimenta vermelha, pimentão e cominhos.
As sobremesas à base de farinha de milho e amêndoas, variadíssimos tipos de queijos e frutas fazem parte de qualquer ementa local.
Da adega Casa Primicia bebe-se o saborosíssimo “GR”, Vinho Graciano, um tipo de uva produzida nas Canárias. Este vinho tem uma produção artesanal, cerca de 10 mil garrafas de cada casta e onde 80% da produção é enviada para o Japão.